A aprovação do pacote “Brasil Soberano”, com R$ 9,5 bilhões em estímulos para empresas afetadas pelas tarifas dos Estados Unidos, elevou para R$ 389,7 bilhões o total de despesas e renúncias fiscais que o governo Lula deixará fora da meta de resultado primário até o fim de 2026. Os valores, embora reais, não entram no cálculo oficial da principal regra de controle das contas públicas.
O programa — anunciado na quinta-feira (13) — inclui R$ 4,5 bilhões em aportes a fundos garantidores e R$ 5 bilhões em renúncias fiscais do Reintegra, voltadas a exportadores. Como as medidas ficarão fora da meta fiscal, não exigem cortes em outras áreas do orçamento. A manobra foi viabilizada por um projeto de lei complementar apresentado pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), que ainda precisa ser aprovado no Congresso.
A iniciativa confirma um padrão adotado pela atual gestão: driblar o alcance da regra fiscal por meio de exclusões legais ou decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). As justificativas variam — precatórios, calamidades, “heranças” de governos anteriores —, mas o efeito é constante: a meta continua tecnicamente “cumprida”, enquanto o déficit real cresce.
Segundo Fábio Serrano, economista do BTG Pactual, o novo pacote é apenas o capítulo mais recente de uma estratégia que compromete a credibilidade do arcabouço fiscal. “O Brasil Soberano parece calibrado, mas o fato de ser lançado fora da meta cria um precedente perigoso: sem a restrição orçamentária, o projeto pode ser inflado no Congresso”, diz.
Os cálculos mais recentes indicam que R$ 334 bilhões foram excluídos da meta entre 2023 e 2025, e que ao menos R$ 55 bilhões em precatórios também devem ser deixados de fora no ano que vem, segundo levantamento do próprio Tesouro Nacional, confirmado por analistas da XP e do BTG.
A exclusão sistemática de gastos levanta dúvidas sobre a eficácia da meta de resultado primário, criada para garantir equilíbrio entre arrecadação e despesas, sem considerar os juros da dívida pública.
“O grande problema é que a multiplicação de deduções, muitas feitas sob medida para atender situações políticas, acaba esvaziando a meta como indicador do esforço fiscal real”, afirma Tiago Sbardelotto, economista da XP e auditor licenciado do Tesouro. “O governo pode até cumprir a meta no papel, mas o déficit que impacta a dívida continua crescendo.”
De acordo com João Pedro Leme, da Tendências Consultoria, a manobra fiscal pode até ser juridicamente permitida, mas “transforma a âncora fiscal em uma ficção útil apenas para apresentações de PowerPoint”. Segundo ele, ao ignorar os efeitos reais de medidas que não entram no cálculo oficial, o governo compromete sua própria capacidade de estabelecer prioridades.
“A regra existe para forçar escolhas. Retirar tudo da contabilidade é como dizer que todo gasto é inevitável — e isso nos coloca numa estrada sem freio”, afirma.